29/04/13

Educação Financeira em casa ou na escola?

 Nunca é tarde para começar? Celina Macedo, professora especialista em educação financeira, conta como seu trabalho junto a adolescentes vem trazendo resultados no sentido de formar consumidores mais conscientes e adultos capazes de manter o equilíbrio financeiro.

 
EduFin: Primeiramente, conte um pouco sobre a história dos projetos: Colégio de Aplicação da UFSC e Casa dos Girassóis. Como eles começara, quem idealizou, por que e quais as intenções e objetivos que os sustentam.
 
Celina Macedo: Esses dois projetos foram iniciados em 2011 quando comecei a me perguntar qual era a razão de ter tantos adultos endividados ou com problemas financeiros. E encontrei a resposta observando as nossas crianças e adolescentes que em maioria não recebem educação financeira no universo educacional familiar nem do universo escolar. As consequências deste fato são determinantes para a vida econômica não somente de cada pessoa, mas também do país.
 
Nesse sentido, a necessidade de levar a educação financeira às escolas me pareceu óbvia. Assim, nasceram os projetos: Colégio de Aplicação da Universidade federal de santa Catarina (UFSC) e o da Casa dos Girassóis.
 
Em ambos os projetos o nosso objetivo foi introduzir conceitos e fundamentos de Educação Financeira, visando melhorar o nível de entendimento, ampliar as chances de sucesso pessoal e no uso de recursos financeiros.
 
Em cada um deles há alunos com faixas etárias diferentes. No Colégio de Aplicação a Educação Financeira é uma disciplina optativa oferecida para alunos do Ensino Médio, adolescentes entre 15 e 17 anos. As aulas são semanais, com a duração de uma hora. Já, na Casa dos Girassóis é uma oficina dada para uma turma inteira, em 2011 (pré)-adolescentes de 11 a 14 anos e, em 2012, crianças de 8 a 10 anos de uma comunidade carente de Florianópolis.
 
No Colégio de Aplicação elaborei um programa que inclui o comportamento humano: valores culturais, personalidade e resistências a mudanças; perfis psicológicos; fatores restritivos da personalidade; administrando as emoções e os conflitos. Planejamento financeiro, teoria financeira, tipos de investimentos e conceitos básicos de previdência social e previdência privada. A disciplina continua sendo ministrada nesse ano e é oferecida através do desenvolvimento de uma sequência lógica, proporcionando um aprendizado consistente e vinculado aos objetivos delineados.
 
Na Casa dos Girassóis, a oficina foi desenvolvida a partir de um método construtivista, que opta por acompanhar a curiosidade da criança, propondo temas que interessam a eles em cada momento para que construam conceitos com base em sua realidade. Assim, as aulas foram direcionadas para cada faixa etária.
 
A intenção é de que eles se tornem multiplicadores desses conceitos para a família e a comunidade. Para motivá-los nesse sentido, foi proposto que eles lessem livros infantis fornecidos pela oficina para outras crianças do projeto, crianças da família e da comunidade, de forma a replicar o aprendizado, aumentar o repertório cultural e dar valor à leitura.
 
EduFin: Quais as principais diferenças de lidar com o assunto com as diferentes faixas-etárias? Dificuldades maiores e menores.
 
CM: Nestes projetos trabalhei com crianças, pré-adolescentes e adolescentes.
 
Há diferenças importantes de como lidar com a educação financeira entre crianças, pré-adolescentes e adolescentes.
 
Por volta dos sete anos, as crianças estão na fase dos porquês, com pensamento centrado no seu ponto de vista. Dos sete aos 11 anos, a criança já consegue usar a lógica para chegar às soluções da maior parte dos problemas concretos. Entretanto, sua dificuldade aumenta quando se trata de lidar com conceitos abstratos. Nessa fase é importante mostrar a utilidade do dinheiro concretamente, fazendo com ela listas de supermercado, mostrando quanto custa a boneca que ela quer comparada com a conta de luz da casa e assim por diante. Por isso, a educação financeira deve ser iniciada em casa, usando as atividades relacionadas ao cotidiano de cada casa.
 
A partir dos 11 anos, a fase é caracterizada pela habilidade de pensar nas relações entre acontecimentos ou entre coisas sem precisar experimentá-las de fato. 
 
Portanto, os conceitos financeiros são mais fáceis de serem entendidos e até mesmo as nuances dos relacionamentos sociais e emocionais relacionados a dinheiro.
 
Na verdade, não há maior ou menor dificuldade de lidar com crianças ou adolescentes quando se conhece as possibilidades de compreensão de cada fase e apresenta os conteúdos através de instrumentos que facilitem a o ensino/aprendizagem dos mesmos.
 
EduFin: Quais os principais erros cometidos que identifica nos adolescentes?
 
CM: A adolescência é um momento de individuação e o filho precisa aprender a identificar o seu gosto, fazer escolhas, avaliar e arcar com as conseqüências das escolhas.
 
O principal erro que o adolescente faz é comprar algo por status, por exemplo, comprar o tênis igual aquele do amigo, que ele nem acha bonito, é só para mostrar para pessoas de quem por vezes ele nem gosta. Gastar dinheiro por status é um dos piores desperdícios que os adolescentes (e os adultos) fazem.
 
Outro erro é não anotar o quanto ele ganha e o quanto ele gasta. Às vezes eles esquecem que essa conta nunca deve ficar negativa.
 
Por fi, consumir por impulso, sem planejamento, sem pesquisa de preço, sem precisar ou querer.
 
Controlar os gastos não significa gastar menos. Significa gastar melhor, com consciência e planejamento.
 
EduFin: Em artigos publicados, você fala muito sobre a compensação que alguns pais fazem durante a criação de seus filhos, dando-lhes dinheiro em vez de atenção. Como isso interfere na educação financeira destas crianças e adolescentes?
 
CM: Presentes não substituem a presença dos pais. O verdadeiro presente é estar presente.
 
Os pais têm prazer em ver rostinhos sorridentes e olhinhos brilhantes à sua volta. Por isso, os filhos pedem e os pais faze, deixa, dão, compra, leva, buscam. Pais que permitem tudo e que superprotegem os filhos criam crianças sem limites e em conseqüência disso futuros adultos insatisfeitos e induzidos a buscar sempre mais bens para se sentir feliz. Para valorizar o que se recebe é preciso ter esforço. Os pais que não querem frustrar seus filhos formam adultos que não sabem lidar com os “nãos” que a sociedade nos impõe, que estouram o limite do cheque especial, que pensam que cartão de crédito não tem limite.
 
EduFin: Em alguns de seus textos, você fala também desta relação da educação que é ensinada em casa e a que os professores transmitem na escola, fale um pouco sobre esta relação no caso dos adolescentes.
 
CM: A qualidade do convívio com os pais e a educação recebida terão peso na formação do futuro adulto.
 
O filho que aprendeu na infância a ter limites quando chega à adolescência já sabe que existem outras pessoas no mundo que devem ser respeitadas; que muitas coisas podem ser feitas e outras não, assim toleram mais facilmente as frustrações; tem maior capacidade de adiar; compreendem melhor os direitos e os deveres de cada um; sabem que serão responsabilizados pelos seus atos inadequados e que terão que assumir consequências. Características positivas para um adolescente que cuida das suas finanças.
Agora, se o filho não recebeu educação em casa e os pais continuam achando que o filho é o centro do universo, a sociedade vai impor limites, vai frustrar e dizer muitos “nãos”. E, possivelmente, o filho por si só vai procurar modificar as suas atitudes, comportamentos com relação a dinheiro e aprender a identificar o seu gosto, fazer escolhas e avaliá-las. Outra característica positiva para um adolescente que quer cuidar da sua vida pessoal e financeira.
 
EduFin: Muitos dos projetos de educação financeira são baseados na inserção do tema nas matérias tradicionais, como: história, português e matemática. Fale um pouco sobre o método que utiliza, em que a educação financeira ministrada a parte, como uma matéria específica.
 
CM: No Colégio de Aplicação e na Casa dos Girassóis a educação financeira é uma disciplina específica desenvolvida em uma sequência lógica, proporcionando acompanhamento da evolução do aluno, com um professor especializado no tema. Estas são as maiores vantagens dessa metodologia.
 
Nessa metodologia cada aluno é visto individualmente, com seus valores, crenças, experiências, objetivos de vida e educação recebidas em casa. E a partir do momento que se fala abertamente sobre dinheiro e planos de vida, cada aluno começa a conhecer e reconhecer seus limites, gostos e objetivos, inclusive os financeiros. Aprende também a determinar a sua situação financeira, a encontrar formas de atingir seus objetivos e colocar em prática o plano de ação.
 
EduFin: Quando você acha que o jovem já tem maturidade suficiente para administrar suas finanças?
 
CM: Primeiro ele precisa aprender a lidar com dinheiro e a mesada é um instrumento poderoso de educação financeira. Ela ensina o filho a viver como pretende dentro de um orçamento limitado além de ajudá-lo a ter, no futuro, um bom relacionamento com o dinheiro.
 
A mesada pode ser implementada por etapas porque depende da maturidade e da aprendizagem do filho para lidar com o dinheiro. No entanto, sugiro que os pais comecem oferecendo semanadas por volta dos 6 anos, quinzenadas por volta dos 10 anos e mesadas por volta dos 12.
 
Aprender a administrar a mesada, quinzenada ou semanada é o primeiro passo para a construção da liberdade financeira de seu filho. Se desde cedo o filho se organizar financeiramente para alcançar os próprios objetivos, ele fará do dinheiro um aliado nessa busca.
 
E a organização financeira se inicia com o planejamento. Quanto tenho? Quanto gasto? Onde gasto? Quanto poupo? Quanto invisto? Sabendo suas possibilidades o filho vai consumir de forma consciente fazendo pesquisa da relação custo benefício e se perguntando: tenho condições financeiras e quero comprar? E consumir dessa forma é bom!
EduFin: E para investir, tem idade para começar? 
 
CM: Não há idade para se tornar um investidor. Conheço muito adultos que tem aversão ao risco, outros que não buscam informação sobre as possibilidades de investimento e, portanto, não investem. Por outro lado, há pessoas jovens que investem.
 
Investir cedo é benéfico porque o filho aprende que dinheiro pode render e pode reduzir se não for bem cuidado.
 
EduFin: Qual dica você daria aos pais para ajudá-los com a educação financeira de seus filhos?
 
CM: Criar filhos em um ambiente de proteção sem permitir que eles se tornem acomodados é um grande desafio.
 
Converse sobre dinheiro com seu filho, conte sobre os seus negócios, seus feitos, demonstre que trabalhar é bo, dê mesada, acredite nas capacidades do seu filho, dê estímulos. Mas, não faça por ele! Não tenha medo de que seu filho erre. Um dos ingredientes importantes de uma educação bem-sucedida é a capacidade de aprender a partir de erros. elogie os acertos do seu filho. Valorize a educação, tanto a da sua casa, quanto a da escola. Acima de tudo, dê bons exemplos. Criar filhos com garra dá muito mais trabalho aos pais do que dar tudo que eles pedem.
 
EduFin: E para os próprios jovens que já entendem a necessidade de se organizarem financeiramente, ou, até mesmo, já querem investir? Por onde começar? 
 
CM: O primeiro passo é o autoconhecimento. Gosto de arriscar, não gosto de arriscar, sou o famoso “pão duro” ou sou gastador?
 
O segundo é observar o exemplo que vem de casa. Mas, as atitudes dos pais só serão referências para a educação financeira se eles usarem o dinheiro de forma consciente, fizerem pesquisa de preço, comprarem à vista, pedirem descontos, tiverem controle de suas finanças, souberem quanto têm e o quanto podem gastar, investir e poupar. Ou seja, se eles cuidarem das próprias finanças.
 
O terceiro é fazer um planejamento financeiro, estipular metas, elaborar passos, definir prazos, elaborar pontos de checagem e colocar tudo na planilha ou caderno.
Por fi, é preciso buscar informações sobre os investimentos que pretende fazer através de leituras e conversas com pessoas que já fazem investimentos.