05/02/13

Exagerou nos gastos? Especialistas ajudam você a melhorar sua inteligé ncia financeira

 Embalados pelo crescimento da economia nos últimos anos e por maiores facilidades de crédito, os brasileiros estão gastando mais – e, pior, se endividando mais. Segundo um estudo da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (Fecomercio-SP), 62,5% das famílias possuem dívidas, o que corresponde a um aumento de 6,39% nesse número somente de 2010 para 2011. Se você tem lá seus compromissos, mas acha que nem de longe se enquadra nesse cenário tenebroso, pare e pense. Comece dando uma olhada no canhoto do talão de cheques. Há pré-datados espalhados por aí? Agora leia com atenção a fatura de cada um dos seus cartões de crédito. Existem compras parceladas? De acordo com as estatísticas, é grande a probabilidade de a resposta para ambas as perguntas ser sim. Pois então: essas parcelas também são dívidas! Se, ao somá-las à prestação da casa, ao condomínio, ao financiamento do carro, à mensalidade da escola das crianças e a todas as outras obrigações mensais, o valor final ainda couber no seu orçamento, não há tantas razões para se preocupar.

O problema é quando as despesas ultrapassam o que se ganha. "Muita gente perde o controle das contas simplesmente por não saber quais são seus verdadeiros gastos e até a sua renda líquida", alerta a terapeuta financeira Paula Schurt, de São Paulo, que dá cursos e workshops sobre o tema. Não é só. Munidas de cheques e cartões de crédito, as pessoas não lidam com o dinheiro de forma racional, realista e prática. Pelo contrário, misturam emoções com finanças e cometem erros básicos. "Uma coisa comum é terem a falsa ideia de que, com cartão, podem comprar tudo o que deseja, esquecendo-se de que precisarão pagar depois", exemplifica a psicanalista Vera Rita de Mello Ferreira, autora do livro A Cabeça do Investidor – Conhecendo Suas Emoções para Investir Melhor (Évora) e professora da Fundação Instituto de Pesquisa Contábeis, Atuariais e Financeiras (Fifecafi).

Decisões cotidianas

Existem várias razões que podem levar à perda do controle orçamentário – um problema de saúde, uma viagem inesperada, o desemprego e outros grandes imprevistos. Mas há também razões mais sutis e perigosas. Algumas pessoas se endividam sem perceber que estão cavando um buraco cada vez mais fundo, levando consigo a própria tranquilidade e a da família. Poucas se dão conta de como é complexo lidar com dinheiro e de como são obrigadas a tomar decisões financeiras importantes a todo instante. A diferença entre comprar uma TV à vista ou parcelada, por exemplo, pode chegar a 30% do valor do aparelho. Ou ainda: os juros embutidos na compra de um carro popular chegam a mais de 5 mil reais. Então, o que fazer? Financiar ou não? Deixar de comprar? A cultura brasileira sugere que o preço está bom quando a parcela cabe no orçamento. Com o passar dos anos, poré, essas decisões, que podem não ser sentidas no dia a dia imediato, produzem um enorme impacto – e, eventualmente, são a diferença entre uma aposentadoria apertada e uma confortável.

Mas há muitos que sentem os efeitos devastadores de um mau planejamento ou gerenciamento das finanças pessoais bem antes disso. É o caso da professora Patrícia*, 40 anos. "Numa fase, eu comprava uma roupa ou um par de sapatos pelo menos duas vezes por semana", conta. Ela abusava da possibilidade de dividir os pagamentos no número máximo de parcelas permitido. "A soma desses gastos mensais chegou a ser superior a meu salário", lembra (leia depoimento completo na página ao lado). Enquanto as dívidas são, para a maior parte das pessoas, uma situação passageira ou contornável com certas medidas restritivas, para um grupo cada vez maior o endividamento tem se transformado em um fardo insuportável e crônico. Prova disso é o crescimento dos grupos de autoajuda para quem não consegue parar de gastar ou de dever, como os Devedores Anônimos. Seguindo os princípios dos Alcoólicos Anônimos, eles organizam reuniões semanais e trabalham as crises de cada participante com a mesma atenção dada a dependentes de substâncias químicas. "Sempre tive a ilusão de que tudo se resolveria, de que as contas seriam pagas de algum jeito, pois o dinheiro apareceria", lembra a arquiteta Miriam*, 46 anos. "Foi com a ajuda do grupo que percebi quanto estava fora de controle e que a solução não cairia do céu."

Gasto problemático

Existe uma linha que separa as pessoas que têm problemas financeiros e aquelas que enfrenta, por critérios psicológicos, questões mais sérias e complexas. No primeiro grupo, os especialistas colocam todos que encontram algum tipo de dificuldade para lidar com o dinheiro, mas conseguem enxergar com clareza as causas do buraco e podem trabalhar para resolver a situação. Para o outro grupo, o endividamento está relacionado a uma série de questões emocionais. Comprar – independentemente do valor gasto, do objeto adquirido e de sua utilidade – produz uma sensação de prazer similar à provocada pelo uso de drogas. "É uma euforia desmedida e a certeza de que tudo vai dar certo", afirma a psicóloga Tatiana Filomensky, do Ambulatório dos Transtornos do Impulso do Hospital das Clínicas de São Paulo.

Esses devedores vão muito além de sustos eventuais com a fatura do cartão. Eles se afundam para valer. Nos consultórios dos especialistas, há casos de quem arrasou a fortuna familiar inteira. Embora tais pessoas vivam situações extremas, elas deixam lições que podem ser úteis a todos que vira e mexe enfrentam apertos e precisam suar para equilibrar o orçamento. O desafio, nesse caso, é incorporar mudanças de hábito que, segundo a consultora financeira americana Suze Orman, só ocorrem quando se dá mais valor a si do que às compras.

COLOQUE SEUS GASTOS NO PAPEL

Passe a anotar tudo o que comprar ou contratar, de objetos a serviços. Inclua os gastos fixos, as parcelas das dívidas contraídas no passado, os pré-datados e até os juros do cheque especial que estão correndo. "Só é possível tomar consciência da sua realidade financeira se você sabe exatamente com o que gasta", explica Paula Schurt. Separe por tipo de despesa.

TENHA OBJETIVOS E METAS

Quem age por impulso e sacia cada desejo imediatamente, sem pensar, corre mais risco de detonar a saúde financeira e viver frustrado. Os experts aconselham ter planos a longo prazo, e não só pílulas diárias de felicidade. "Quando há metas e seu sonho tem nome – uma viage, um carro -, guardar dinheiro é mais estimulante", acredita a psicanalista Vera Ferreira.

APRENDA A NEGOCIAR

Pechinchar não é crime nem é feio. Aliás, barganhar chega a ser uma verdadeira arte. Mas fazer isso pressupõe dinheiro na mão. É quando se pode pagar à vista que se tem o verdadeiro poder de pechinchar. Já quem precisa dividir as compras em inúmeras parcelas perde essa prerrogativa diante do vendedor.

AVALIE SUA NECESSIDADE

Cortar todos os gastos tidos como supérfluos (unhas, roupa nova, restaurante) não funciona a longo prazo, pois a medida pode gerar frustração. A dica é aprender a diferenciar desejos sem nenhum fundamento das suas necessidades. Para tanto, separe uma quantia mensal para isso e se detenha a ela. Assim, você não precisará abrir mão de tudo que gosta (e precisa), tornando-se mais fácil se adequar aos novos tempos sem correr o risco de esmorecer diante da primeira vitrine.

PESQUISE SEMPRE

Entre em várias lojas e compare preços antes de fechar qualquer negócio. Ou use a internet. Consumidores impulsivos tendem a perder o controle – e comprar errado – já no primeiro estabelecimento. São atraídos por palavras e expressões como: "promoção", "liquidação", "oportunidade única" e "compre agora e pague depois". Ao pesquisar, você descobre que às vezes esse chamariz camufla preços até mais altos do que os da concorrência.

ENVOLVA A FAMÍLIA

Cuidar do dinheiro da casa é um enorme desafio quando só uma pessoa está determinada a poupar. Por isso, fechar uma parceria com o marido e os filhos é essencial. Se todos participam do planejamento, lutam pelo mesmo objetivo e aprendem a lidar com a frustração de não poder comprar tudo em prol de algo maior, as dificuldades são menores. "Divida essas conversas até com as crianças. Assim, terão oportunidade de aprender a gerenciar as finanças desde cedo", sugere Paula Schurt.

NÃO SE ENGANE

Faça contas realistas e sempre no papel. Somas mentais e, principalmente, planos envolvendo quantias que você ainda vai receber no futuro são atitudes perigosas e autossabotadoras. Muita gente, em especial no segundo semestre, gasta além da conta apostando todas as fichas no décimo-terceiro ou em um provável bônus que a empresa pagará. E se esse dinheiro nunca cair na sua conta ou for menor do que você estimava? Portanto, só pense em gastá-lo depois que for depositado.

CONTROLE O EFEITO MANADA

A palavra designa um grupo de animais que vive, se alimentam e se deslocam juntos. O efeito manada corresponde a compras que fazemos só para ter o que os outros têm. É um comportamento ligado à autoconfiança, à autoestima e à necessidade de ser aceita pelos outros. Reconheça a conduta, afaste-se do foco de problemas (amiga, turma, loja ou site) ou neutralize sua influência e segure a vontade de ir atrás do bando.

Fonte: Cláudia – Abril