04/06/13

Futuro em risco

Cerca de 12 milhões de brasileiros têm planos de previdência, mas quase ninguém nota que o retorno de muitos deles tem decepcionado. Um quarto dos planos perdeu da inflação em cinco anos. O que fazer para salvar a aposentadoria? 
Os brasileiros, em geral, não são grandes investidores, para dizer o mínimo. Diversas pesquisas mostram que a maioria se preocupa com o futuro, mas não a ponto de guardar dinheiro de forma organizada para ter alguma tranquilidade financeira em 20 ou 30 anos. O carioca Rodrigo Bonel é uma exceção. Dono de uma loja de roupas infantis, ele diz aplicar, todos os meses, 15% do que recebe num plano de previdência. Faz isso há cinco anos, desde os 29 — e o objetivo é parar de trabalhar aos 65.
O problema é que Bonel não sabe se está fazendo um bom investimento. Ele até junta um bom dinheiro, mas, hoje, não tem ideia se essa reserva será suficiente para permitir que ele passe a viver dos rendimentos de suas aplicações no futuro. Perguntado pela reportagem sobre qual é o retorno de seu plano de previdência, o empresário não soube responder. Também não sabe qual é o valor das taxas cobradas pelo plano. E ele tem rendido mais do que a inflação? “Assim, de bate-pronto, não sei dizer.”
Como fizeram milhões de investidores nos últimos anos, Bonel aplicou num plano de previdência achando que essa era a melhor opção para guardar dinheiro por um prazo longo. Essas aplicações oferecem vantagens fiscais para quem mantém seus recursos ali por vários anos: é possível pagar apenas 10% de imposto de renda, a menor alíquota do mercado financeiro.
Além disso, o imposto só é cobrado no saque, e não ao longo do investimento, como ocorre nos fundos. Para quem planeja aplicar, ao todo, por quase 40 anos, como Bonel, um plano de previdência pode ser até 25% mais rentável que um fundo tradicional. De olho nesse potencial, cada vez mais gente coloca dinheiro nesses planos. Hoje, há 12 milhões de investidores. O patrimônio, de 348 bilhões de reais, aumentou 140% desde 2008.
Só que essas vantagens apenas se tornam palpáveis para os investidores se os planos de previdência tiverem desempenho semelhante ao dos fundos de renda fixa — e o problema é que, em geral, não é isso o que acontece. Essa é a conclusão de uma pesquisa feita, a pedido de EXAME, pela consultoria NetQuant, especializada em análise de investimentos. Na média, os planos cobram taxas mais elevadas para gerir o dinheiro dos investidores e rendem menos do que títulos públicos de renda fixa, por exemplo.
Nos últimos cinco anos, enquanto os papéis do governo atrelados à inflação renderam 125%, os planos de previdência de renda fixa tiveram rentabilidade de 54% e os planos de previdência multimercados, de 50%. Ainda de acordo com o levantamento, que analisou 536 planos, um quarto deles perdeu da inflação no período.
Alto custo
O grande problema dos planos, segundo especialistas, são as taxas. Em média, os planos de previdência que investem em renda fixa cobram 1,6% ao ano sobre o patrimônio aplicado, o triplo dos fundos de mesmo perfil; os planos de previdência multimercados também cobram 1,6%, 78% mais do que os fundos da mesma categoria. No Reino Unido, 1% é o teto para a previdência. Fora isso, alguns planos brasileiros descontam de cada nova aplicação uma “taxa de carregamento”, que fica entre 1% e 4% do valor investido — fundos normais não cobram isso.
No passado, havia ainda uma taxa de saída, que ficava ao redor de 2% e era cobrada sempre que o cotista tirava dinheiro do plano (quase todos os gestores aboliram a cobrança nos últimos anos ou mantiveram a taxa apenas para quem saca em poucos meses). “É o investimento que mais cobra do investidor”, diz o advogado Roberto Mohamed, especializado em previdência.
Por quê? A principal explicação tem a ver com o momento em que os planos de previdência mais populares do mercado, os PGBLs e os VGBLs, surgiram. Em 1998, o governo aceitou a sugestão das instituições financeiras e permitiu que fossem criados investimentos de longo prazo com benefícios fiscais, como nos Estados Unidos. Assim surgiu o PGBL, cujas aplicações podem ser descontadas do valor que os investidores têm a pagar na declaração anual de imposto de renda. Quatro anos depois, foram criados os VGBLs, voltados para quem não faz essa dedução na declaração anual.
Nessa época, os juros estavam em quase 30% ao ano — e mesmo os planos que cobravam taxa de administração de 4% ao ano, fora as taxas de carregamento e de saída, rendiam bem mais do que a inflação. Para atrair mais investidores, diversos gestores lançaram planos com aplicação mínima baixíssima — a Brasilprev, empresa de previdência do Banco do Brasil, tem um cujo investimento inicial é de apenas 25 reais.
“Nesses casos, a taxa precisa ser alta para remunerar minimamente os profissionais e arcar com os custos do plano”, diz Osvaldo do Nascimento, presidente da Federação Nacional de Previdência Privada e Vida (Fenaprevi) e um dos idealizadores do modelo dos PGBLs e VGBLs. “Quem aplica 50 reais por mês com uma taxa de administração de 2% e uma de carregamento de mais 2% paga 24 reais para o gestor por ano. Isso mal cobre os custos do envio de documentos a ele, como extratos.”
Faz sentido para os bancos e gestores, mas não para os investidores — especialmente com os juros em 7,5% ao ano. Os especialistas recomendam que, em vez de colocar dinheiro em planos com aplicação mínima baixa e taxas elevadas, os investidores juntem recursos na caderneta de poupança ou em títulos públicos para conseguir um valor inicial maior e taxas menores.
Uma pesquisa da Brasilprev, uma das maiores do mercado, mostra que os poupadores destinam 277 reais por mês, em média, para planos de previdência. Em geral, planos com aplicação mínima inferior a 300 reais cobram taxas de administração de 3% ao ano, fora o carregamento. Quando o valor chega a 20?000 reais, a taxa cai para cerca de 2%, sem carregamento.
Outra opção para quem está num plano que vem rendendo menos que a inflação é trocá-lo. É possível fazer isso sem pagar imposto — e, há cinco anos, transferir dinheiro de um plano de previdência para outro ficou menos burocrático graças a uma nova exigência da Susep, entidade que regula esse mercado. O prazo máximo para a transferência (ou portabilidade, termo que os gestores de plano costumam usar) é de dez dias úteis.
No passado, o processo costumava levar três meses. Trocar de plano foi a opção escolhida pela jogadora de vôlei Fabiana Alvi, a Fabi, campeã olímpica com a seleção brasileira. “Comecei a aplicar num PGBL quando tinha 19 anos. Não entendia muito bem como funcionava, mas sabia que tinha de guardar porque atleta tem vida profissional curta”, diz. Em 2009, depois de dez anos de aplicações, quando diz ter acumulado um patrimônio “razoável”, ela decidiu contratar um consultor financeiro, e uma das primeiras sugestões dele foi: mude de plano já. Segundo o consultor, o rendimento estava abaixo da média do mercado e a taxa de administração, acima. Ao trocar, conseguiu um plano com uma taxa 50% menor.
As exceções
A estratégia de investimento dos gestores dos planos, claro, também faz diferença na rentabilidade. O levantamento da NetQuant mostra que, ainda que o rendimento médio dos planos tenha sido ruim nos últimos cinco anos, os melhores gestores entregaram retornos de até 124% aos investidores — muito acima da inflação, que foi de 32% no período, e dos juros médios de mercado, de 64%. O plano mais rentável foi o Icatu Seg IPCA, da gestora carioca Icatu, que aplica em títulos públicos de longo prazo atrelados à inflação. “Alguns papéis do fundo vencem apenas em 2050. É uma estratégia que faz sentido para quem pensa no longo prazo, porque a volatilidade desses títulos é maior, mas o retorno também”, diz Bernardo Schneider, gestor da Icatu.
Como melhorar o desempenho dos planos de previdência? Hoje, os fundos multimercado são maioria no mercado de previdência privada. Esses planos podem aplicar, no máximo, 49% do patrimônio em ações — e nada fora do país. O restante fica na renda fixa. As gestoras têm pedido mais flexibilidade à Susep para aplicar uma parcela maior em renda variável e também no exterior. Outra mudança que está sendo discutida é a criação de um plano que daria isenção fiscal a quem usasse o dinheiro da aposentadoria para cobrir gastos com saúde.
Uma pesquisa da consultoria Accenture mostra que uma das principais preocupações dos brasileiros é com a situação financeira na velhice. É o caso do engenheiro Gustavo Gamaliel, que tem 30 anos e pretende se aposentar aos 65. “Trato a aplicação na previdência como uma dívida no cartão de crédito: tenho de pagar, senão vai ficar mais caro”, diz ele.
Para calcular quanto vai receber na aposentadoria, o investidor precisa considerar rendimento, taxas e impostos — e refazer a conta, no mínimo, uma vez por ano, para ver se está na trilha certa. “Por mais que você se planeje, as condições de mercado mudam — os juros podem cair mais rapidamente do que o esperado, por exemplo, como ocorreu nos últimos meses. Aí, pode ser preciso aumentar o total de recursos guardados ou adiar a aposentadoria”, diz Lauro de Araújo, que sempre trabalhou no mercado de previdência — foi diretor da consultoria Mercer e do banco J.P.
Morgan e, hoje, é consultor da Luz Engenharia — e diz refazer os cálculos a cada três meses. O banco Itaú costuma dizer a seus clientes para seguir uma regra curiosa, chamada de “1369”. Basicamente, ela diz o seguinte: quem tem 35 anos precisa ter o equivalente a um ano de salário guardado para a aposentadoria. Aos 45 anos, três anos de salário; e seis e nove anos de salário para quando tiver 55 e 65 anos, respectivamente.
Dessa forma, se mantiver o ritmo de poupança, conseguirá parar de trabalhar com uma renda mensal correspondente a 70% do último salário, que, segundo os especialistas, costuma ser suficiente para fazer frente aos gastos na velhice. “É uma simplificação, mas ela serve para mostrar, de forma geral, se um investidor está precisando poupar mais ou se está confortável”, diz Cláudio Sanches, diretor de previdência do Itaú. Essa conta, claro, parte da premissa de que o investidor tem recursos aplicados num produto financeiro que renda mais do que a inflação. Caso contrário, o risco de faltar dinheiro lá na frente é grande — justamente num momento em que haverá menos tempo para corrigir a rota.