20/05/13

Por que as mulheres escondem seus gastos

7% das leitoras que responderam à enquete do Delas disseram ocultar dos parceiros o valor real de suas compras. Do que elas querem escapar?

No último fim de semana, o Delas perguntou às leitoras se elas escondiam seus gastos dos parceiros. O resultado foi curioso: cerca de 67% das mulheres disseram que sim. A enquete foi lançada junto a uma pesquisa recente realizada no Reino Unido, que indicou que uma a cada quatro mulheres mantém o hábito de ocultar o valor real de seus gastos.

O mais intrigante é que estas mulheres pagam suas próprias contas – e muitas colaboram em pé de igualdade na manutenção da casa. Ainda assim, estão mentindo sobre quanto custam suas aquisições. Por quê?

A antropóloga Hilaine Yaccoub explica que existe uma “moralidade do consumo”. Embora consumir esteja no centro da vida de todo mundo hoje em dia, alguns “excessos” são socialmente aceitos. Especialmente aqueles voltados para o bem-estar da família, como uma televisão de última geração ou alimentos orgânicos.

Teste: você é uma compradora compulsiva?

Do outro lado, gastos com símbolos associados à “futilidade feminina”, como roupas, sapatos, bolsas e cuidados com a beleza, são moralmente condenáveis. É o que leva mulheres a mentir sobre o valor de suas compras. “As mulheres se tornam reféns dessa moralidade”, aponta Hilaine, que também é diretora de consumer insights da Consumoteca, hub de especialistas multidisciplinares com foco em antropologia do consumo.

Hilaine, que estuda o assunto há anos, ilustra com a história de uma defensora pública que ela conheceu em uma loja. Na hora de levar as compras para casa, a mulher explicou à vendedora que havia trazido uma sacola mais discreta e preferia levar os sapatos direto na sacola, sem as caixas. O marido não via com bons olhos a compra de cinco pares de sapatos de uma vez só, mas seus pares e superiores no trabalho tampouco admitiam que ela se apresentasse menos que impecável para o trabalho no Fórum.

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Ponta do iceberg

Embora curioso, o resultado da pesquisa não pode ser classificado como surpreendente. Não é de hoje que as mulheres mentem sobre seus gastos. “Minha mãe escondia do meu pai as compras”, relembra a escritora e filósofa Marcia Tiburi. “Eu me perguntava porque fazia isso. Será que ela queria fazê-lo de otário? Depois vi que era para protegê-lo. Muitas mulheres agem como mães dos maridos”.

Mas o tiro sai pela culatra. Na tentativa de parecer menos fútil para o parceiro, as mulheres acabam sendo as “enganadas” da história. “Elas não são donas de si mesmas. E essa questão [de esconder os gastos] é só a ponta do iceberg de todo um comportamento feminino: ‘vou fingir que sou magra’, ‘vou fingir que sou compreensiva’, ‘vou fingir que sou jovem’, que sou rica, que quero ser casada, que quero ser mãe. Não finja mais”, recomenda Marcia.

Comportamento universal

Poré, assim como o consumo, comportamentos relacionados a ele também são universais. 29% dos homens escondem seus gastos relacionados a gadgets (vídeo games, celulares, tablets), segundo a pesquisa britânica.

O que consumimos representa o que queremos ser. Se para as mulheres é importante estar bonita, para eles é essencial estar atualizado. “Criamos valores agregados ao que compramos, formando nossa identidade no espaço público”, diz Hilaine. “O consumo é uma mediação, não um fim. Representa gosto, status, valores, ética, regras”, enumera.

E, mesmo que a cultura material sempre tenha feito parte da história humana, existe uma eterna dificuldade de compreensão do sentido simbólico que certos produtos de consumo adquirem para o outro grupo. Mulheres não entendem para que gastar tanto dinheiro com um carro ou um vídeo game. Homens se perguntam por que elas precisam de outro par de sapatos ou de tantos batons. Mas ninguém critica um sujeito que gasta um terço do seu salário com livros, ainda que não leia nenhum deles — o que só revela mais uma face dos complexos preconceitos que envolvem o consumo.