10/07/12

Finanças pessoais para al m das planilhas

Alunos do curso de preparação para formação de planejadores financeiros atendem casal que buscava se livrar de problemas de endividamento durante clínica de finanças pessoais realizada na cidade de São Paulo no fim de junho

Na hora de tratar um dilema financeiro, seria mais cômodo para um especialista em finanças pessoais simplesmente ajudar o "paciente" a montar uma planilha com receitas e despesas e dizer: "Você tem de cortar isso e aquilo e aplicar no investimento X e Y". Se o cliente seguir a orientação, o problema será resolvido. A questão é que as chances são grandes de ele voltar ao "consultório" cinco anos depois com queixas idênticas. E a razão é simples: o médico tratou o sintoma, e não os seus motivos. Não pediu os exames necessários para um diagnóstico e tratamento adequados. E, afinal, quem é ele para dizer em quê a pessoa pode ou não gastar?
Quem explica é Flávio Paulino, advogado que está estudando para ser planejador financeiro. Ele se diz apaixonado pelas finanças pessoais desde que conheceu a "bela e charmosa" bolsa de valores. "Foi amor à primeira vista… E ódio à primeira perda", reconhece.
Para fazer um bom trabalho, diz o futuro planejador, é necessário "fugir da frieza", resistindo à tentação de se fixar em uma planilha e apenas analisar os números. Como parte da preparação, Paulino e outros candidatos a planejador atendem pessoas durante clínicas financeiras, numa "vivência" do futuro trabalho, com a supervisão do especialista em gestão de riquezas Fabiano Calil. "As pessoas chegam para a consulta com problemas simples: Vendo meu apartamento? Troco minha dívida? Faço um investimento? Poré, quando você começa a conversar com o cliente, ele se abre e começa a perceber que a resposta não é tão simples. Quer dizer, não adianta apenas aconselhá-lo a gastar menos do que ganha", afirma o Paulino.
Se o problema não está na planilha de gastos e investimentos, onde estaria? "As finanças envolvem as questões familiares, pessoais, as neuroses, a dificuldade de separar sonho de dever ou de enxergar seus próprios sonhos, no lugar de só viver em função dos desejos dos filhos", exemplifica Paulino, que está fazendo o curso de planejador ministrado por Calil.
Paula Almeida Ramos, que também está se preparando para ser planejadora, relata que é comum o cliente "disparar a falar". Em outras ocasiões, poré, o diálogo só começa a fluir com naturalidade após algumas consultas. "Há quem não fale nada na primeira vez", conta. Ela diz que, atualmente, há consultores que ainda analisam apenas as contas das pessoas. "É um método de trabalho, também é válido. No entanto, acredito que a planilha não é suficiente para o ajuste definitivo", afirma.
No fim de junho, os estudantes do curso prestaram assessoria em uma clínica financeira realizada em Pinheiros, bairro da zona sul da cidade de São Paulo, como uma das etapas do treinamento. O casal Rogério e Fabiana (eles não quiseram se identificar e, por isso, não informaram o sobrenome), que administra um laboratório de próteses, enfrenta um problema de dívida há três anos e resolveu participar da clínica, na busca por uma solução. Já era a segunda consulta do casal. No fi, saíram satisfeitos. "Quando temos dívidas, agimos muito com a emoção. Nosso objetivo se torna apenas apagar o fogo. Mas eles disseram que não pode ser assim, é preciso se planejar muito bem", afirma.
Na ânsia de "fazer acontecer", Rogério e Fabiana pagavam as dívidas assim que conseguiam acumular algum dinheiro e, como resultado, ficavam sem recursos para pagar os demais gastos. Outro problema diagnosticado é que os pequenos empresários estavam misturando as finanças da família com as do negócio próprio – um erro bastante comu, segundo os planejadores financeiros. "Na clínica, eles não analisaram apenas a parte racional, envolvendo também a questão emocional. Agora vejo que não somos obrigados a quitar todas as dívidas de uma só vez. A melhor saída pode ser continuar com a dívida", explica Rogério.
Fabiano Calil afirma que o trabalho do planejador financeiro tem mudado rapidamente. Antigamente, esse profissional apegava-se basicamente aos números. Até que os problemas não deixaram de ser resolvidos apenas com a análise das contas e os clientes passaram a se queixar. "Foi quando começou a pesar mais a psicologia econômica", afirma o planejador.
Ele lembra a história de um empresário cuja empresa enfrentava problema de sucessão. Quando procurou ajuda, o executivo tinha somente uma pergunta em mente: vendo minha empresa ou não? Pouco depois, poré, começou a se queixar do filho, relatando que não sabia o que fazer com ele. Calil indagou se ele já tinha perguntado ao filho se ele queria mesmo ser diretor financeiro da companhia. "A pergunta que era simples tornou-se complexa", lembra.
Às vezes, o planejador, que deveria ser o mocinho, faz o papel de vilão, relata Calil. "Falamos o que as pessoas precisam ouvir, por isso não somos as pessoas mais legais. É muito comum o cliente não gostar da solução proposta e esbravejar. Mas, por algum motivo, ele volta", afirma ele.
Agnes Rodrigues Gomes, outra aprendiz de planejadora, relata que uma das coisas mais difíceis nesse trabalho é "separar o que é do cliente daquilo que é de si próprio". "Não raro, o cliente traz a mesma situação já vivida pelo planejador", conta. "É um desafio não dar ouvidos ao julgamento pessoal, separando as suas necessidades próprias das necessidades do cliente. O que é bom para mim não necessariamente é bom para o outro", diz.
Outra dificuldade é não se envolver demais com o problema do cliente. "Às vezes, a gente se envolve a ponto de ficar pensando o tempo todo no assunto", revela Agnes. Os planejadores em formação admitem ainda que aprendem muito com os clientes. "Tem jeito melhor de aprender do que com a história do outro?", conclui Paulino.